VOTAR NULO VALE A PENA?
Ana Flora França e Silva Bacharel em Direito pela UFPR e Secretária Judiciária do TRE-PR.
Quem dera todos os problemas da nação brasileira pudessem ser resolvidos a partir de um engano ou de um erro do eleitor. Mas por que, "a partir de um engano ou erro"?, perguntariam alguns! Digo isto porque o tão propalado voto nulo é, na verdade, um erro. Erro este que ocorre quando o eleitor digita na urna eletrônica um número que não corresponde a nenhum candidato registrado, resultando na confirmação de um voto nulo.
Diante das campanhas que têm sido levadas a público principalmente pela internet a favor do voto nulo, faz-se necessária uma análise dos dispositivos legais acerca dessa matéria, os quais estudados isoladamente geram muitas dúvidas.
Dispõe o § 3º, do art. 175, do Código Eleitoral, Lei nº 4.737/65, o seguinte:
" ...
§3º Serão nulos, para todos os efeitos, os votos dados a candidatos inelegíveis ou não registrados.
§4º o disposto no parágrafo anterior não se aplica quando a decisão de inelegibilidade ou de cancelamento de registro for proferida após a realização da eleição a que concorreu o candidato alcançado pela sentença, caso em que os votos serão contados para o partido pelo qual tiver sido feito o seu registro."
Desnecessário analisar os §§ 1º e 2º visto que estão em desuso com o advento da votação em urnas eletrônicas. Estes só encontram aplicação quando, eventualmente, haja necessidade de apurar votos obtidos em mesa receptora em que a urna eletrônica tenha sido substituída pela votação mediante cédulas de papel. O §4º, por sua vez, aplica-se somente às eleições proporcionais. Mas devemos prestar atenção ao §3º, de larga aplicação atualmente havendo, inclusive, uma inserção de alerta nas urnas eletrônicas sobre o fato. Esse parágrafo se vê reproduzido na Resolução do Tribunal Superior Eleitoral nº 22.154, de 02.03.2006, editada para estas eleições.
Logo adiante, encontramos no mesmo código o art. 224, que prevê o seguinte:
Art. 224 ”Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais, ou do Município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações, e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias.”
Penso que este artigo de Lei seja o "causador" dessa campanha em favor do voto nulo. À primeira vista, da simples leitura do citado art. 224, poder-se-ia acreditar que: computados mais de 50% (cinqüenta por cento) de votos nulos, teríamos uma eleição anulada e uma nova deveria ser marcada pela justiça eleitoral. E mais, aqueles que propalam essa campanha pelo voto nulo ainda acreditam que os candidatos os quais concorreram nessa primeira eleição não poderiam inscrever-se novamente para disputar a eleição suplementar pautando-se em outro dispositivo, o parágrafo único do artigo 219 da mesma lei que dispõe: "A declaração de nulidade não poderá ser requerida pela parte que lhe deu causa nem a ela aproveitar".
Pois bem, enganam-se aqueles que pensam que esses dispositivos legais seriam aplicados de maneira simples e direta em todos os casos onde os votos nulos atingissem mais de 50% (cinqüenta por cento) em determinada eleição municipal, estadual ou federal, anulando todo o pleito e renovando-o em seguida.
Os artigos que mencionamos precisam ser estudados dentro do contexto das nulidades da votação — capítulo específico da Lei Eleitoral — em conjunto com todos os outros artigos incidentes sobre um caso concreto. Determinada eleição poderá chegar a esse resultado - marcação de novo pleito - com a nulidade de mais de 50% dos votos nas seguintes situações:
- quando o candidato que havia sido eleito pela maioria tenha seu diploma cassado em processo movimentado com fundamento no art. 41-A, da Lei nº 9.504/97. É a chamada "compra de votos";
- quando ficar evidenciado abuso de poder político ou econômico em Representação Eleitoral movida com fundamento na Lei Complementar nº 64/90.
- também poderá ocorrer nova eleição, quando evidenciados vícios, falsidade, fraude, coação de eleitores, etc... e houver impugnação da eleição com base no disposto no art. 222 do Código Eleitoral.
Esclarece o art. 222 do código eleitoral que: “É também anulável a votação quando viciada de falsidade, fraude, coação, uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego de processo de propaganda ou captação de sufrágios vedados por lei”. Impugnada uma eleição com fundamento neste artigo, poderíamos ter novas eleições marcadas, se a nulidade atingisse mais da metade dos votos dados ao candidato eleito que tivesse agido com abuso de poder, viciando a vontade popular.
O art. 41-A diz o seguinte: "Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constitui captação de sufrágio, vedada por esta lei, o candidato doar, oferecer, prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ou vantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou função pública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusive, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil UFIR, e cassação do registro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990". Neste caso sim, haverá nova eleição marcada pelo Tribunal. (v.Acórdão 21.169, de 10.06.03, no Recurso Especial Eleitoral - 26ª Zona – Serra Negra do Norte-RN – Rel. Min. Ellen Gracie).
Dado importante a ser colocado é o fato de que aquele candidato que agiu com abuso de poder, captando votos ilicitamente, será afastado do novo pleito, conforme jurisprudência firme do Tribunal Superior Eleitoral. Situação concreta pode ser encontrada no Acórdão do Tribunal Superior Eleitoral, de 10.09.2002, no Recurso Especial Eleitoral nº 19.878 – 32ª Zona - Ribas do Rio Pardo-MS – Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, que ensina que, em observância ao princípio da razoabilidade, não é possível àquele que deu causa à sua anulação, participar das novas eleições. O fator de nulidade da votação foi a captação ilícita de sufrágio, assim, houve a incidência do art. 41-A e aplicou-se o art. 224 do Código, que determina a realização do novo pleito.
No entanto, se porventura o processo movimentado for uma Ação de Impugnação de Mandato Eletivo onde busca-se atingir o mandato, não tendo por objeto a nulidade do pleito ou, ainda, trate-se de um recurso contra a Diplomação, com fundamento no art. 262 do Código Eleitoral, em que se quer atingir o diploma de eleito obtido irregularmente, não haverá anulação da eleição. Mesmo que a maioria dos votos tenha sido atribuída ao eleito, se este tiver seu diploma cassado, o segundo colocado no pleito deverá ser alçado à condição de eleito e empossado, independendo a quantidade de votos obtida por ele.
Isto porque tem decidido o Tribunal Superior Eleitoral que, julgada procedente a ação de impugnação de mandato eletivo, prevista no art. 14 da Constituição Federal, não ocorre renovação do pleito (art. 224-C.E.), mas sim a diplomação do segundo colocado. Neste caso não incide o art. 224 porque essa ação é dirigida contra o mandato, não tendo por objeto a nulidade do pleito. Pede-se a cassação de um mandato geralmente por vício grave do candidato, que tenha implicado a modificação da vontade popular, por prática de abuso do poder, econômico ou político. Podemos citar, nesse sentido, o Acórdão do Tribunal Superior Eleitoral, de 19 de fevereiro de 2004, na Medida Cautelar nº 1.320 – 236ª Zona – Rio Paranaíba – MG – Rel. originário Min. Francisco Peçanha Martins e para o Acórdão Rel. Min. Luiz Carlos Madeira.
Voltando à nossa primeira premissa, ou seja, de que votos nulos lançados na urna eletrônica por erro ou falha dos eleitores, e no caso desta campanha deliberadamente mais da metade do eleitorado optassem por votar nulo, teríamos sérios problemas se isso algum dia acontecesse. Para efeito de exemplo vamos calcular em cima dos dados deste ano; o colégio eleitoral brasileiro, para as eleições federais, soma 125.913.479 (cento e vinte e cinco milhões, novecentos e treze mil, quatrocentos e setenta e nove) eleitores. O que quer dizer que 50% equivaleriam a 62.956.739 (sessenta e dois milhões, novecentos e cinqüenta e seis mil, setecentos e trinta e nove) votos nulos. Já para eleições no estado do Paraná, em que o eleitorado é de 7.121.257(sete milhões, cento e vinte e um mil, duzentos e cinqüenta e sete) esses 50% chegariam a, aproximadamente, 3.560.000 (três milhões, quinhentos e sessenta mil) votos nulos.
Será que isso - votos nulos em número superior aos válidos em uma eleição – é possível? Poderíamos arriscar e dizer que seria praticamente impossível. Mas, admitindo-se que isso viesse a ocorrer, até quando ficaríamos renovando eleições? E, principalmente, com que objetivo? Quantos milhões de reais seriam gastos com esses novos processos eleitorais pela União Federal, pelos Partidos Políticos e pelos candidatos? Será que isso resolveria algum problema? Melhoraria a situação de pessoas, trabalhadores, empresas, indústrias ou qualquer outro segmento? Seria talvez um protesto? Onde se deseja chegar com essa campanha pelo voto nulo? Indefinidamente vamos repetir eleições? Sim, porque para que haja uma democracia, que é o regime que queremos, precisamos eleger representantes. Se esses representantes são bons ou não a responsabilidade é de quem os elegeu.
Apontamento necessário, com o fito de esclarecer ainda melhor a situação, é o fato de que não se tem conhecimento de nenhuma situação que tenha evidenciado tal ocorrência, razão pela qual em nenhuma oportunidade houve manifestação dos Tribunais sobre essa questão. Em pesquisa realizada na jurisprudência do Tribunal Superior não encontramos nenhum caso de nova eleição em razão de maioria de votos nulos computados na urna eletrônica.
Outra análise que deveremos proceder é a da norma contida no art. 2º da Lei nº 9.504/97, a saber: "Será considerado eleito o candidato a Presidente ou a Governador que obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos." No parágrafo 1º, citado artigo diz, ainda, "Se nenhum candidato alcançar maioria absoluta na primeira votação, far-se-á nova eleição no último domingo de outubro, concorrendo os dois candidatos mais votados, e considerando-se eleito o que obtiver a maioria dos votos válidos." (grifo nosso)
A esse respeito, encontramos a decisão do Tribunal Superior Eleitoral, no Acórdão nº 21.320, nos Embargos de Declaração no Recurso Especial Eleitoral – Boa Vista-RR, Rel. Min. Luiz Carlos Madeira, que esclarece na ementa que: "... 13. Nas eleições disputadas em segundo turno (CF, art. 77, §3º, Lei nº 9.504/97, art. 2º, § 1º), considera-se eleito aquele que obtiver a maioria dos votos válidos. Não-incidência, na situação posta, da norma do art. 224 do Código Eleitoral. 14. Cassado o diploma de governador de estado, eleito em segundo turno, pela prática de ato tipificado como conduta vedada, deve ser diplomado o candidato que obteve o segundo lugar...".
A meu sentir, a conjugação do dispositivo de lei citado (art. 2º da Lei 9.504/97), com a decisão acima mencionada é a solução que deve ser adotada caso o número de votos atinja mais de 50% em determinada eleição. Ou seja, não computados os votos em branco e os nulos, seria eleito o candidato mais votado mesmo que este tivesse obtido menos de cinqüenta por cento dos votos válidos, a menos que houvesse uma alteração legislativa.
Acredito que a intenção dos que divulgam essa campanha seja boa, afinal todos os brasileiros desejam ver a nação brasileira em ordem e progredindo, em respeito ao nosso símbolo nacional. Ocorre que essa não é uma maneira eficiente, conforme antes exposto.
Vamos direcionar esforços para campanhas mais produtivas em que haja algum benefício para pessoas ou grupos de pessoas e para os brasileiros de modo geral. Se os defensores querem ver como vencedor o voto nulo, que direcionem seus esforços para a eleição de um candidato que os represente à altura de suas aspirações e acompanhem a atuação desse eleito, participando ativamente na cobrança da correção de seus atos, afinal, assim como há candidatos que não merecem nosso voto, há também aqueles que, como nós, querem ver o país crescer e prosperar.
Não erre, não vote nulo, não vale a pena.
(todas as decisões mencionadas poderão ser encontradas na íntegra no site:www.tse.gov.br)
Artigo publicado na revista PARANÁ ELEITORAL, versão impressa e online: www.paranaeleitoral.gov.br