Ex-juiz eleitoral escreve artigo sobre as urnas eletrônicas

O doutor Sergio Bernardinetti esclarece o cidadão a respeito do processo de votação

tre-pr sobre urnas

Olá amigos.

Tendo sido Juiz Eleitoral em duas eleições, e sendo entusiasta de tecnologia desde a infância, sinto-me obrigado a fazer alguns esclarecimentos a todos sobre nosso sistema nacional de votação através de urnas eletrônicas.

Muitas inverdades estão sendo divulgadas pela internet, com o único objetivo de desestabilizar o sistema eleitoral e tentar tirar a legitimidade dos próximos que venham a ser eleitos.

Ninguém ganha com isso. Todos perdemos.

Não vou dar opiniões. Vou relatar fatos. As opiniões deixo com vocês.

Vamos lá.

Acho importante começar falando sobre o passado. O sistema manual de votação dependia da apuração por escrutinadores. Pessoas do povo. Bom, digamos que a balbúrdia era tão grande que criou-se a lenda urbana de que “votos em branco iriam para o candidato da situação”. Isso porque era comum os escrutinadores, subornados, preencherem as cédulas em branco com o nome de “seu” candidato. Também era bem comum rabiscarem para anular votos válidos lançados em nome de outro candidato. A palhaçada era geral.

Para não alongar demais, passemos ao sistema atual.

As urnas são nada mais ou menos do que microcomputadores. São “PCs” com um sistema operacional baseado em Linux, desenvolvido pela Justiça Eleitoral. Ele roda numa placa de sistema bem simples, num cartão de memória principal de sistema. E executa somente o programa de votação, que é integralmente desenvolvido por técnicos da Justiça Eleitoral.

A empresa que fabricou as urnas atuais se chama Diebold. Foi a vencedora da última licitação. Dentre outros produtos, é conhecida por desenvolver e vender caixas eletrônicos e sistemas bancários.

O software operacional e de votação tem código livre, aberto, disponível pra quem quiser conferir. Passa por rigorosa auditoria externa, interna, e com a participação de representantes dos partidos políticos que desejarem.

As urnas ficam armazenadas nas sedes dos Cartórios Eleitorais e têm seus softwares atualizados antes da votação pelos técnicos da Justiça Eleitoral, sob a supervisão do Juiz Eleitoral. Nesse momento o Juiz faz testes de eleição simulada para conferir se o resultado emitidos nos boletins e lançados nos pen drives “batem” com o que foi simulado. Feitos os testes, as urnas são lacradas, cujos lacres são assinados pelo Juiz Eleitoral e Promotor Eleitoral, um a um (dá um trabalhão...)

Durante a votação os dados referentes aos votos são gravados em “pen drives” especiais, de cor laranja, numerados, criptografados e lacrados, cujo lacre tem assinatura do Juiz Eleitoral e do Promotor Eleitoral.

A urna não tem nenhum tipo de hardware de rede. Ela não é capaz de se conectar na internet ou receber sinais de rádio, Wi-Fi, Bluetooth etc.

Uma vez encerrada a votação, a partir das 17:00hs, a urna não aceita mais votos e, sob pena de invalidar todos os votos recebidos, ela imprime um boletim que revela todos os votos que estão nela. Tem o número de série, identificação da Zona e Seção Eleitoral, e diz claramente: “eu tenho x votos no candidato azul, y votos no candidato amarelo, z votos no candidato vermelho” e assim por diante. Esses boletins são afixados em editais e cópias são entregues aos fiscais dos partidos.

Vale lembrar que durante toda a votação cada seção, ou seja, cada urna é fiscalizada pelo presidente de mesa, secretários, por fiscais de partidos, fiscais de prédio, servidores da Justiça Eleitoral e demais pessoas da comunidade que assim desejem acompanhar.  Ou seja, ninguém consegue simplesmente ir lá com um notebook debaixo do braço, conectar na urna e fazer o que bem entender.

Terminada a votação, impresso e afixado o boletim de urna, funcionários da Justiça Eleitoral coletam os “pen drives” e colocam em malotes lacrados, que são entregues diretamente ao Chefe de Cartório da Zona Eleitoral.

Esse Chefe de Cartório, servidor púbico concursado e muito bem remunerado, juntamente com o Juiz Eleitoral, que é um Juiz de Direito Estadual (como eu), conectam os pen drives, um a um, no sistema eletrônico de apuração, que só funciona dentro da rede interna dos Cartórios da Justiça Eleitoral.

A transmissão é feita via internet, criptografada, e totalizada pelos computadores dos Tribunais Regionais Eleitorais ou Tribunal Superior Eleitoral (dependendo do tipo de eleição). O sistema vai emitindo resultados instantâneos conforme cada novo pen drive é apurado. O sistema não permite a apuração por mais de uma vez do mesmo pen drive (eu já testei).

Feito tudo isso, os Juízes Eleitorais proclamam o resultado, em sessão pública, presentes candidatos, eleitores, pessoas da comunidade.

Explicado como funciona, vamos aos mitos:

  1. As urnas são fabricadas pela Smartmatic, rejeitada em todo o mundo.

Não é verdade. São fabricadas pela Diebold e o software é desenvolvido pela Justiça Eleitoral. Tudo é plenamente auditável, disponível para quem quiser conferir.

  1. As urnas podem ser hackeadas. Vários especialistas já provaram isso, tendo conseguido alterar dados e imprimir resultados fraudulentos.

É verdade. Todo sistema está sujeito a falhas. Não existe sistema impenetrável. Contudo, isso foi feito sempre em ambiente controlado, com a urna em mãos, todo o tempo e recursos do mundo. Na vida real o hacker não tem acesso às urnas, nem antes e muito menos durante as eleições. Ou teria que romper lacres, acessando as urnas que ficam protegidas em salas-cofre da Justiça Eleitoral quando não estão em uso, ou teria que invadir seções de votação, contando com o silêncio e conivência de todos os envolvidos. E o que foi feito em uma urna teria que ser feito, pessoalmente, em dezenas de milhares de urnas. Mesmo assim, diante da adulteração de dados, os códigos criptográficos violados seriam detectados no momento da apuração. Além disso, cada vez que vulnerabilidades são descobertas elas são prontamente corrigidas. A cada dia que passa o sistema é tornado mais seguro.

  1. Só o Brasil, Cuba e Venezuela usam urnas eletrônicas.

São usadas em mais de trinta países para as eleições gerais. Dados facilmente pesquisáveis em sites confiáveis.

  1. Todos os países recusaram as urnas brasileiras.

As urnas eletrônicas da Justiça Eleitoral nunca foram oferecidas a ninguém. A empresa que as fabrica pode vender similares para quem bem entender. O software, contudo, desenvolvido pela Justiça Eleitoral, nunca foi oferecido, o que, por consequência, impede que seja “recusado”. Cada país tem sua realidade, suas necessidades e sua “vontade política”. O custo de um sistema eletrônico é elevadíssimo. A maioria dos países não esta disposta a arcar com esse custo ou não tem a tecnologia necessária – ou sequer uma Justiça Eleitoral independente – para isso, ou simplesmente não tem essa necessidade.

  1. O sistema não permite auditoria.

Tanto permite que eu mesmo já fiz, duas vezes. É procedimento obrigatório antes da “cerimônia de lacração” como chamamos, quando os softwares são atualizados com os candidatos das eleições atuais e todas as conferências possíveis são feitas.

  1. Por que não é feita impressão do voto?

Para garantia do sigilo das votações e da total independência do eleitor.  É o mesmo motivo pelo qual não é permitido entrar com telefones celulares ou câmeras fotográficas nos locais de votação. Isso tornaria muito fácil o eleitor corrupto comprovar a venda de seu voto e os candidatos corruptos promoverem “votos de cabresto”, obrigado determinadas comunidades a votar em determinado candidato, pois teriam como exigir que os eleitores comprovassem em quem votaram. É uma garantia da liberdade do eleitor. Não haveria esse problema, contudo, com a impressão do voto para mera conferência posterior, armazenado em urnas lacradas da Justiça Eleitoral, sem contato com o eleitor, como foi previsto na última reforma eleitoral. É um custo alto, porém, foi a escolha do legislador. Dando aqui uma opinião, o que prometi não fazer: acho desnecessário, mas não vejo problema. Acho até bom, para sepultar de vez qualquer dúvida sobre o resultado.

  1. A votação é alterada quando chega nos computadores da Justiça Eleitoral.

Ok, e como fazer com os boletins de urna, impressos logo após o término da votação, muito antes dos pen drives serem levados para a apuração? Nunca houve uma incongruência de dados. Sempre bateram 100%.

Vou parar por aqui para não alongar demais.

Sejamos honestos e procuremos pensar sem paixões. O sistema não é perfeito, nunca vai ser, e nem precisa ser. Só precisa ser mais seguro e mais difícil e caro de ser violado do que o método tradicional, que vem trazendo bons resultados desde 1891: a boa e velha compra e venda de votos.

Uma fraude capaz de alterar o resultado de eleições teria que contar com a conivência de centenas de pessoas. Cidadãos, fiscais de partidos (todos os partidos), Servidores da Justiça Eleitoral (concursados), Juízes e Promotores Eleitorais (concursados), técnicos dos Tribunais Regionais Eleitorais e Tribunal Superior Eleitoral... Enfim, centenas, senão milhares de pessoas, a maioria da Justiça Eleitoral, pessoas comprovadamente sérias e idôneas.

É importante lembrar também que as eleições são conduzidas e fiscalizadas por Juízes de Direito e Promotores de Justiça, no exercício da função eleitoral. Os mesmos que estão colocando os maiores corruptos do país na cadeia. Sim, os mesmos. Membros do Poder Judiciário e do Ministério Público, sem nenhuma vinculação com partidos ou políticos.

“Ahhh mas eu vi na internet que....”. Então, não sei se você sabe, e talvez seja uma surpresa, mas nem tudo que está na internet é verdade. Ademais, há muitas pessoas interessadas na instabilidade política, que buscam desmerecer o sistema de votação, contando com a ignorância e temor infundado por mero analfabetismo tecnológico da imensa maioria da população.

Um grande amigo magistrado tem em sua casa, emoldurada, uma “advertência” que recebeu de nossa Corregedoria de Justiça, há muitos anos, porque fazia uso de um microcomputador no final dos anos 80 para redigir decisões e sentenças. Estamos falando de menos de trinta anos atrás.

Hoje parece ridículo, mas esse pânico irracional ainda existe, infelizmente.

Recomendo, porém, que não se deixem levar pela contagiante vontade de reproduzir todo tipo de mentiras que vemos por aí na internet. Procure conhecer de perto o sistema de votação, sabendo a fundo como funciona, para então emitir o seu próprio juízo de valor, se assim quiser.

Capriche nessas eleições, conheça bem seu candidato e vote com tranquilidade.  A Justiça Eleitoral vai assegurar que o desejo do eleitor seja respeitado. Se o candidato eleito for ruim, infelizmente, não adianta culpar a urna. A culpa será só nossa.

Boas eleições!

Sergio Bernardinetti

Juiz de Direito do Estado do Paraná.

Juiz Eleitoral de 2012 a 2015.

Diretor de Tecnologia da Associação dos Magistrados Brasileiros

Diretor de Tecnologia da Associação dos Magistrados do Paraná

Membro do Conselho Supervisor Geral de Tecnologia da Informação do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná

Juiz Instrutor da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Paraná

 

 

 

 

 

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