Acessibilidade: uma questão de vida ou morte?
Servidor do TRE-PR Diogo Fraga Ferreira fala sobre as suas vivências no Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência
Numa sociedade marcada pelo desempenho e pela exaustão humana, acredito que falar sobre acessibilidade pode significar mais sobrecarga de demandas. De fato, há muitas normas, inclusive de condutas, e reconheço a legitimidade do cansaço na tentativa de cumpri-las.
Por outro lado, para mim, acessibilidade é uma questão de vida ou morte! Estou ciente de que essa afirmação poderá soar metafórica ou, até mesmo, exagerada. Pois então, faço a seguinte indagação: se você colocasse uma venda nos olhos e atravessasse uma rua sem piso tátil, sem sinalização sonora e sem alguém para auxiliar, como se sentiria? Cada travessia seria um jogo da sorte? Ou de vida ou morte? Saiba que essa assustadora hipótese é corriqueira no meu dia a dia.
O mês de setembro nos convoca a refletir não apenas sobre o cuidado com nossa saúde psíquica, mas também sobre a luta por acessibilidade, já que o dia 21 desse mês representa o marco da Luta da Pessoa com Deficiência.
Trazer à consciência essas pautas no mês em que a primavera se inicia representa um florescer de esperança. Na verdade, o que se busca numa luta é uma esperança que faça florescer ações. E o que essas pautas (saúde psíquica e acessibilidade) teriam em comum?
Bom... acredito que o maior ponto de angústia humana é o desamparo. Qual ser humano não teria medo do não amparo? O fato é que, se estamos vivos, ainda que questionáveis os cuidados recebidos, foi porque alguém nos amparou. Assim, não consigo imaginar a saúde psíquica desvinculada de um modelo de sociedade com redes de proteção para as vulnerabilidades humanas.
Acessibilidade é expressão de acolhimento e garantia de inclusão. E preocupar-se com ela diz respeito a todas as pessoas e não apenas às pessoas com deficiência, pois, além de ser fato que estamos envelhecendo e precisaremos dela em alguma medida, somos atravessados, o tempo todo, pelo ineditismo da vida.
A forma como a vida se manifesta em cada corpo é da ordem do enigma ou, para quem acredita, é da ordem divina. Nesse sentido, não há garantias de que permaneceremos, durante toda a vida, numa pele incluída. A bem da verdade, é o modelo civilizatório que produz exclusões. Ou seja, não é a vida que exclui, pelo contrário, cada diferença a potencializa e a constitui.
Semeando essas palavras, espero fazer brotar mais corpos arados de elos e, se ainda persistir o vão entre mãos, que a primavera faça florescer, naquele espaço, aproximação. E, respondendo a uma frequente pergunta sobre como vejo, só tenho a dizer que a vida chegou perto demais a ponto de me embaçar ou, até mesmo, ocultar as imagens e me libertar das distrações com miragens.
Por fim, compartilho poema escrito por mim e por minha irmã, que também tem deficiência visual:
Poema a quatro mãos: visão de(o) mundo
A cada dia que passa,
Mais meu olhar se volta para dentro.
Menos meu olho toca o mundo.
Mais o mundo toca meu corpo.
De um jeito ou de outro,
O mundo quer me atravessar.
Se não pelo olhar,
Que seja pelo tato,
Ouvido, olfato,
Ou paladar.
Hematomas e cortes
É a sorte a que meu corpo foi lançado,
Para que, de fato,
O mundo pudesse ser notado.
E, quanto mais o tempo passa,
Menos visão eu tenho do mundo.
Todavia,
Mais visão de mundo me avaria.
Trabalho?
Diversidade?
Inclusão?
Acessibilidade?
Eis que surge a questão:
Ver ou não ver?
A indiferença se torna presente.
E invisibilizado
O dito “deficiente”.
Nesse balé da indiferença,
A norma dispensa parceria.
É o indivíduo despido de humano
Que o Estado neoliberal
Rege com maestria.
Qual de fato seria a deficiência?
Talvez,
Deficiente seja o olhar que sabe,
Mas insiste em não ver.
Assista ao vídeo poema
Texto e foto: Lorena Ferreira Fraga (servidora do TRE-MG) e Diogo Fraga Ferreira (servidor do TRE-PR)
Revisão: Assistência de Jornalismo
Tratamento de imagem: Assistência de Comunicação Visual
Por: Assessoria de Imprensa
Publicado em: 21/09/2023 -17:41
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